Construção de um Telescópio Newtoniano de 180 mm.

Recebidos os espelhos de Sebastião Santiago Filho, que demonstrou ser um verdadeiro profissional, me dediquei, inicialmente à confecção de um projeto que tornasse meu futuro telescópio mais preciso e mais eficiente que o velho Mr. Magoo.

Fiz uso de um programa de CAD (Computer Assisted Design - Desenho Assistido por computador), muito usado por engenheiros e arquitetos. A vantagem do projeto logo se fez presente, pois o programa fornece as medidas exatas das peças, conforme se vai desenvolvendo o projeto. É necessário, para usá-lo, possuir conhecimentos sobre sua operação, que é bastante complexa e apenas usada em sua íntegra por profissionais. Mas meus conhecimentos já vinham de alguns anos atrás, quando li um livro sobre um destes programas (Introdução ao AutoCad, de Alan R. Miller - Ed. Campus - com detalhes até a versão 9 do programa) conhecimentos estes que seriam suficientes para produzir um projeto bastante exato em duas dimensões (estes programas produzem objetos em 3 dimensões, se o operador souber como fazê-lo - o que não é o meu caso).

O projeto se iniciou quando recebi os espelhos do Sebastião: no espelho primário, havia uma etiqueta com as especificações do espelho:

d= 1047 mm.

F= 1247 mm.

O significado destes valores: d é a distância entre o espelho primário e o espelho secundário e F é a distância total que o raio de luz deverá percorrer entre a superfície do espelho primário e a ocular do telescópio. Este seria um Newtoniano f=7. O Cassegrain tinha f=16. Mas o Sebastião me colocou à disposição, caso eu quisesse, um espelho f=6. Optei pelo f=7.

O outro dado que possuía era o diâmetro do espelho primário (180 mm.). Além destes valores eu conhecia os valores relativos à espessura e diâmetro da madeira que serviria de suporte ao espelho primário, o comprimento das molas, as medidas da "aranha" e do espelho secundário fornecidos pelo Sebastião (eu medi com uma régua estas dimensões).

O projeto pode ser feito com papel, lápis e réguas, mas no CAD a coisa fica bem mais exata.

As imagens do projeto do tubo podem ser vistas clicando-se aqui ou sobre a figura ao lado (1,99 Mb).

Projetei, também, a montagem Dobsoniana. Troquei vários e-mails com pessoas que entendem de Astronomia, para adicionar ao meu projeto de montagem Dobsoniana a latitude do local de observação. Porém, todos os projetos que desenhava já se mostravam pouco práticos ou de difícil montagem na tela do micro. Assim, desisti do controle da latitude. O projeto final da montagem pode ser visto clicando-se aqui  ou sobre a figura ao lado (897 Kb).

O projeto desta montagem é praticamente igual ao do Cassegrain. A ele adicionei apenas uma vareta para controle da altura, e a colocação de dois rolamentos para tornar o movimento vertical mais suave, além de 3 rolamentos entre os dois discos da base, para tornar igualmente mais suave o movimento horizontal.

Confesso que achei uma delícia criar um projeto. A coisa parece que passa a ser mais minha. Personalizada conforme minha vontade. Mesmo correndo o risco de cometer erros, aconselho a quem se propuser a construir seu próprio telescópio, a confeccionar seu próprio projeto e não apenas copiar algum pré-existente. A experiência é muito gratificante e divertida.

A fase de execução propriamente-dita se iniciou com a aquisição do tubo, o que foi uma empreitada bastante difícil. Na Rua Florêncio de Abreu, simplesmente não existem mais tubos de 200 mm. de diâmetro de PVC. Assim, aconselho uma pesquisa telefônica antes de sair de casa. O local mais próximo de minha casa que se dispunha a vender o tubo (apenas parte dele, pois eu desejava adquirir somente 2 metros de cano - a barra inteira tem 6 metros) era:

ALVINO MALANDRINO E CIA LTDA. - Rua Clélia 1923 - Lapa tel. (0xx11)3872-2400 e-mail: am@malandrino.com.br fax (0xx11)3873-2330

Pelos 2 metros de tubo, paguei R$ 53,00, correspondentes a US$ 17,60 (à cotação de 1Us$=R$ 3,00).

O meu projeto informava que o comprimento total do tubo seria de 1,30m.  O primeiro passo, foi cortar o tubo com 1,30 m. Me esforcei para fazer o recorte o mais exato possível, mas já entendi que se ele tivesse 1 mm. a mais ou a menos, isso não seria uma tragédia. O recorte foi feito com a serra tico-tico.

Envolvi o tubo numa folha de papel (daquele papel pardo e grosso que as estilistas criam suas roupas), de modo que o papel não apresentasse sobras em nenhuma das extremidades. Recortei o papel e passei a traçar as linhas correspondentes à posição do suporte do espelho primário, a aranha, o focalizador, a buscadora, os quatro parafusos que prenderiam o suporte do espelho primário ao tubo e o centro dos dois apoios que seriam presos sobre a montagem dobsoniana. Todas as linhas deviam ser rigorosamente perfeitas, e foram traçadas com o auxilio de esquadros e réguas bem longas.

Esta operação fica bem mais fácil se houver alguém ajudando. Minha esposa foi de grande valia (mesmo porque ela já teve uma fábrica de roupas e sabe muito bem como fazer moldes e traçar linhas perfeitamente retas).

Depois fixei a folha de papel sobre o tubo com o auxilio de fita crepe. Nos locais marcados, realizei as perfurações do cano (perfura-se sobre a própria folha de papel). Quando todas as perfurações estiverem feitas, retira-se a folha de papel. O diâmetro dos furos corresponde ao diâmetro dos parafusos que serão usados. O diâmetro da perfuração do focalizador corresponde ao diâmetro da parte deslizante do focalizador. Como este é muito grande, inicie usando uma broca e depois passei a recortar a perfuração com a serra tico-tico. O focalizador foi adquirido em Araraquara, de Dario Pires (tel. (0xx16)222-11-83) www.techs.com.br.users/dariopires  e-mail dariopires@techs.com.br

 

Comprei, numa loja de rolamentos da R. Florêncio de Abreu, como previa o projeto, numa casa de rolamentos, dois rolamentos com 180 mm. de espessura e 8 cm. de diâmetro externo. O diâmetro interno dos rolamentos era de 4 cm. O que orientou a escolha das dimensões dos rolamentos, foi a espessura da madeira que eu iria usar na montagem Dobsoniana, que era de 180 mm. Estes rolamentos são da marca SKF e podem ser encontrados em qualquer loja de rolamentos. Novamente a lista telefônica mostrou ser de grande ajuda. Cada rolamento custou R$ 20,00 (Us$ 6,66).

Recortei os dois discos do suporte do espelho primário de tábuas de compensado de 180 mm. O disco externo tem um diâmetro de 200 mm (igual ao diâmetro interno do tubo de PVC) e o disco interno (aonde será colado o espelho) tem um diâmetro igual ao espelho (180 mm.). Fiz os 3 furos que receberão os parafusos de regulagem do espelho com as molas, tendo antes pregado, provisoriamente, um disco no outro para que as furações dos dois discos coincidissem perfeitamente. Depois retirei os pregos e separei os discos. O disco externo foi pintado com spray preto fosco, em todas as suas faces e o interno também (mas no interno, a face onde será colado o espelho não deve ser pintada).

O espelho primário deve ser colado na face do disco interno, que não foi pintada, com cola de silicone Brascopren. Aqui cabe uma observação importante: o Sebastião me falou que ao desmontar o espelho primário que devolvi a ele, ele notou que o silicone que eu havia usado para colar o espelho era extremamente duro e que foi muito difícil desmontá-lo. Por ser a cola extremamente rígida, ela poderia provocar tensões sobre o espelho, fazendo com que a imagem deixasse de ser perfeita. Por este motivo, ele recomendou que eu usasse a cola Brascopren. Um tubo pequeno (parecido com um tubo de dentifrício) é muito mais que suficiente. Deve-se tomar o maior cuidado possível para não manchar a superfície refletora do espelho com cola ou com os dedos. A secagem completa leva 24 horas.

Depois é só pintar o tubo e o suporte Dobsoniano. Desta vez, resolvi simplificar as coisas: em vez de usar pintura automotiva, usei tinta esmalte normal (aquela para pintar portas e janelas). O interior do tubo foi pintado com spray de tinta preta fosca. E a parte externa com uma pistola de pintura ligada a um compressor. Não gostei da cor: é um azul meio esverdeado, que lembra as nuvens de tempestade. Mas é o que consegui comprar nas proximidades da chácara.

As partes de madeira da montagem Dobsoniana, foram recortadas com o inestimável auxílio do meu irmão caçula, que tem uma escola de marcenaria. Foi ele, também, quem torneou, em madeira, a peça que projetei para ligar o tubo aos rolamentos que seriam apoiados sobre a montagem Dobsoniana. Um trabalho dificílimo, devido à precisão necessária. O torno é uma máquina que dá medo. Ele coloca uma barra de madeira a girar numa velocidade espantosa. Com o auxílio de instrumentos cortantes de aço, o operador da máquina vai escavando a superfície da madeira. Se algo der errado, a madeira sairá voando e quebrando todas as cabeças que encontrar pela frente.

Esta operação levou bem umas duas horas. Feitas as peças, passamos a encaixá-las no primeiro rolamento. Já eram umas nove e meia da noite quando, com o cansaço estampado em seu rosto, meu irmão bateu o martelo para encaixar o rolamento na madeira tão dificilmente torneada. E ela rachou em duas metades.

Insultos devidamente proferidos, ele me prometeu novas peças para o dia seguinte.

O dia seguinte levou mais ou menos uns 20 dias para chegar. As peças em madeira rachavam.  Então meu irmão encomendou a um torneiro que fizesse as peças em alumínio. O primeiro torneiro devolveu o projeto de pois de uns 10 dias sem ter sequer iniciado o trabalho.

O segundo torneiro também não chegou a começar. Neste ponto, meu irmão já bem mal humorado, comprou uma barra de polietileno e torneou as peças ele mesmo.

Fiquei sabendo que esta é uma operação bem complicada pois o polietileno, com o calor do processo de torno, derrete e forma filamentos. Estes filamentos, por estarem quentes, voltam a se aglutinar sob a forma de bolinhas, o que torna tudo muito difícil.

Mas, seja lá como for, ele conseguiu produzir as duas peças que eu precisava.

  

Estas peças de polietileno se encaixavam perfeitamente nos rolamentos, sem deixar folgas.

O Passo seguinte foi encontrar um modo de unir as peças de polietileno ao tubo. Pensei em fazê-las de madeira, mas a perspectiva de escavar a madeira, deixando-a com o contorno do tubo, me desanimava. Assim, usei um pouco de odontologia para resolver o problema.

O primeiro passo foi fazer uma forma que tivesse o contorno que eu precisava. Isso foi resolvido com uma embalagem de Catupyri, que foi recortada com uma tesoura e vaselinada em seu interior (vaselina sólida).

Nas peças de polietileno, fiz algumas perfurações com uma furadeira, de modo a que o acrílico pudesse penetrar no polietileno, fixando mecanicamente uma peça à outra.

Depois peguei uma sobra do cano de 200 mm., e revesti sua parte externa com papel alumínio. Encaixei a peça de polietileno na forma de Catupyri e fixei o conjunto sobre o papel alumínio com fita crepe.

A idéia era preencher a forma de Catupyri com resina de dentadura, de modo que a resina tomasse o contorno do tubo de PVC e se unisse às peças de polietileno.

A resina usada foi "Acrílico Auto Polimerizante Jet", da marca "Clássico" (Av. Diógenes Ribeiro de Lima, 2.720 - São Paulo SP - Tel (11) 3022-2588 www.classico.com.br A escolha deste material deveu-se à simplicidade de uso, rapidez e baixo custo. A resina é composta por um pó, à base de polímero de Metil Metacrilato e um líquido à base de monômero de Metil Metacrilato.

Para misturar pó e líquido, usei um copo de requeijão (na minha casa adoramos queijos...). E uma espátula de aço inox para servir de misturador.

 A quantidade de líquido foi no "olhometro". A consistência a ser atingida não deve ser muito fluida, nem muito sólida. É como um creme grosso e fluido.

Cuidados devem ser tomados com os olhos e com peças plásticas, pois o acrílico gruda no plástico.

Misturados pó e líquido no copo, derrama-se a mistura dentro da forma de Catupyri, e aguarda-se a reação de polimerização.

Aos poucos, o acrílico vai endurecendo. A reação completa leva uns 15 minutos, aproximadamente, e durante a reação há uma liberação muito intensa de calor. A mistura deve ser colocada na forma nos primeiros 3 ou 4 minutos.

Este material, ao se polimerizar, apresenta uma certa contração, que, no nosso caso, é perfeitamente aceitável.

Quando o acrílico começar a esfriar, ele deve ser separado da forma de Catupyri. Isto é fácil, pois a forma é bastante elástica, e foi previamente vaselinada.

Após separar as partes, lava-se o conjunto com detergente de cozinha, para retirar a vaselina.

Este conjunto de rolamentos, polietileno e resina acrílica, será agora fixado ao tubo do telescópio por meio de parafusos, tendo o cuidado de deixar estas "hastes de suporte" perfeitamente eqüidistantes e perpendiculares ao tubo.

Para colocar os parafusos, perfura-se com uma broca de madeira a parte de resina. Naturalmente, para efetuar estas perfurações, é necessário retirar oculares e espelhos do interior do tubo.

A montagem equatorial é feita da mesma forma que adotei para o Cassegrain. A única diferença está no fato de eu ter usado rodízios de box de chuveiro para separar os dois discos de madeira que permitem girar o telescópio. Isto fornece um movimento suficientemente suave.

Tanto a resina como o polietileno podem ser pintados com tinta óleo.

Faltava, agora, encontrar um meio de conseguir que o tubo ficasse parado na posição vertical, pois o sistema de rolamentos funcionou tão bem que o tubo ficava completamente "bobo", girando para cima e para baixo.

A solução veio de Dario Pires e seu filho Jaime, que me fabricaram um sistema de ajuste vertical em alumínio, com vareta e rosca, unidas por um rolamento. Esta peça foi fixada ao conjunto:

  

O conjunto completo ficou assim:

O primeiro "teste de janela", mostrou resultados totalmente satisfatórios: acima, uma vista da janela feita apenas com uma máquina fotográfica de 55mm, que mostra uma imagem parecida com a que observamos a olho nu (note o tamanho dos carros na parte inferior da imagem). A imagem inferior mostra a visão do interior da ocular de 20mm. do detalhe do pára-raios:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Clique Sobre a figura para ver o projeto do tubo

 

Clique na figura para ver o projeto da Dobsoniana